sexta-feira, 2 de dezembro de 2011


Mais do que um bom concerto, foi um excelente espectáculo sensorial. Recomendo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Bullying

“Se atravessar, sentirei dor, pode ser que morra rápido. E se ficar estropiado? Tenho que pensar melhor nisto, talvez um prédio muito alto”- comentou à beira do passeio enquanto olhava para os carros a passar na Av. da República – “Sou um cobarde, nem consigo fazer uma coisa tão simples…”. Foi para casa, mais um dia, derrotado.
Como um ser tão franzino pode suportar tanta violência. Tinha apenas 16 anos e comportava tamanha mágoa e raiva. Só tinha dois amigos, contudo não desejavam de ser vistos com ele, “percebes, não é? Sabes como é?”, acena que sim com um sorriso demasiado doloroso enquanto procura um canto que garanta a sua invisibilidade. Hoje só lhe empurraram contra a parede, sentiu um ou dois pontapés e massajaram o seu pescoço, os agressores também podem ser benevolentes. Às 18 horas chegou a casa, jantou, viu televisão com os pais, fez os trabalhos de casa e foi dormir como todos os dias, e, como todos os dias chorou até fechar os olhos. Esporadicamente acordava revigorado e com um sorriso bebia o leite com cereais, tinha sonhado com a vingança impiedosa para com os infractores da sua liberdade.
Assim chegou aos 18 anos e terminou o 12ºano bem como os anos de sofrimento, das raparigas a dizer com escárnio que era demasiado feio até para estar na mesma sala que elas, dos murros nas costas pelo colega atrás, na sala de aula, enquanto tentava esquecer o que se passou no intervalo e que faltavam 35 minutos para o próximo… Terminou. Finalmente livre, “aguentei, consegui, sobrevivi” – soltou um riso louco, triunfante.
Vinte e dois anos depois, nervoso, com as cicatrizes da sua adolescência latentes, as mãos suadas e o coração apertado leva o filho para o primeiro dia de aulas do 5ºano. Promete para si mesmo que estará atento aos sinais, que vai proteger o filho. Sabe o quanto foi difícil sarar as feridas infligidas e esconder a sua fragilidade psicológica. 
(d Trintona)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Cumplicidade

Estavam a tomar o pequeno-almoço na cozinha, num domingo solarengo porém fresco. Descontraídos. A sua face e cabelo cintilavam sob a graça dos raios solares, através da janela na porta. O labrador Toninhas de pêlo castanho clarinho dormitava na área do chão iluminada.
Parecia ser um domingo como os anteriores. Estavam frente a frente. Teresa, com a torrada trincada na mão, olhar ausente, expressão taciturna, deixa escapar “estou cansada”, disse-o baixinho contudo firme, acompanhado de um suspiro denso, comportando meio mundo. João levantou o olhar na sua direcção, sabia como tinha sido difícil aquele desabafo, percebia o que significava e a intensidade das palavras proferidas, a angústia que ela sentia vibrava.
Depois de as ter pronunciado, Teresa fixou os olhos na torrada trincada, sentia a preocupação do João. Vivem juntos há dois anos, contudo a cumplicidade e empatia pareciam intemporais. Após terminada a refeição, levantaram-se da mesa em silêncio, ele com um sorriso nos lábios, calmo, sereno; ela cabisbaixa, um pouco ansiosa, culpada. Vestiram-se com o intuito de passear o Toninhas. Antes de abrir a porta, sem qualquer aviso, fixou os seus olhos nos de Teresa e beijou-a com tanta intensidade que braços de dela ergueram-se e envolveram-no. Estiveram assim uns minutos. Quando o João abriu a porta para o mundo  Teresa sorria, a tempestade tinha amanado. 
(d Trintona)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Assim entrámos nos batéis Batéis se foram de terra
tranquila quente de fim de dia
Praia ficou longe manchas de sangue desapareceram todas
mas mar não lavou
não pode lavar
Fumo de casas queimadas era preto
dançavam ao sol labaredas
Mesmo quando não houver fumo
haverá labareda
não apagará
Vimos terra desaparecer para sempre

ficar pequena como pedrinha
Vimos montes onde milho crescia e pássaros voavam
Vimos e vimos
última vez
Agora
como teremos notícias de quem fugiu
de quem morreu?
Como saberemos novas de nossos mortos?
Nunca mais beberemos água do poço
não dançaremos a bater pés na terra
como saberemos novas de nossos mortos?
Nunca mais caçaremos gazela atenta
ó criador
nunca mais ouviremos leão antes de atacar
como saberemos novas
ó cheio de cólera
como saberemos novas de nossos mortos?
                           (Um punhado de Terra, Pedro Eiras)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!


Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
                                     (A dor, Florbela Espanca)



quarta-feira, 28 de setembro de 2011

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (5)

Porquê a obrigatoriedade da gravatinha e do fato numa entrevista de trabalho? Menos sentido faz quando ao exercê-lo temos de usar farda. Porquê as frases feitas? Porque tenho de ir a uma entrevista toda ”pipi” quando nunca usei um fato, saltos altos ou base, tenho um alfinete e (como uma amiga me diz com frequência) “pregos” nas orelhas. Supostamente o empregador deveria saber quem está a contratar, a autenticidade do papel que essa pessoa representa na sociedade e como encaixa nas funções que irá exercer. O personagem à sua frente não é necessariamente o colaborador de amanhã, podendo até ser um perfeito inútil.
 A entidade patronal acaba por reduzir a sua avaliação à habilidade de representar; contudo, não adoptamos diversos papéis no nosso dia-a-dia? Não é a capacidade de representarmos que indica se somos ou não socialmente capazes? Como Yann Tiersen numa música – não te preocupes querida que tenho um novo emprego e nunca falto… Teremos amadurecido quando nos tornamos bons jogadores, ou já sabemos os truques necessários para avançarmos de nível com relativa facilidade sem nos questionarmos quem somos ou no que espelhamos?
Bem ainda sou uma aprendiz neste jogo, não tenho respostas e questiono-me com frequência as suas regras, bem como a coerência entre a minha espinha dorsal e o papel que adopto.
(d Trintona)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011


FMI, festival de música independente em Braga.
A ideia foi engraçada e pujante, contudo precisa de muito polimento organizacional.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

50 anos celebra a Aministia Internacinal

 (Filme de Carlos Lascano)

Tanto por fazer numa altura em que o sol ainda só nasce para alguns, a liberdade é um previlégio e a água é um diamante escasso e justificação para o morticínio. É impressionante e lamentável como os mesmos erros perpetuam-se e a intolerância mantem-se tão enraizada, indiferente a géneros, raças, idades e classes sociais...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O silêncio é teu gémeo no Infinito.
Quem te conhece, sabe não buscar.
Morte visível, vens dessedentar
O vago mundo, o mundo estreito e aflito.

Se os teus abismos constelados fito,
Não sei quem sou ou qual o fim a dar
A tanta dor, a tanta ânsia par
Do sonho, e a tanto incerto em que medito.

Que vislumbre escondido de melhores
Dias ou horas no teu campo cabe?
Véu nupcial do fim de fins e dores.

Nem sei a angústia que vens consolar-me.
Deixa que eu durma, deixa que eu acabe
E que a luz nunca venha despertar-me!
                                  (A noite, Fernando Pessoa)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sem título

O conceito de casa desmoronou-se. O sentimento de pertença dissipou-se. É uma destruição lenta contudo consistente. As paredes são cada vez mais finas e frágeis. Os grãos de areia vão pousando vagarosamente, sem cessar no chão, delineando as divisões. As janelas apresentam manchas do tempo, de negligência, numa ou outra é possível ver alguns sinais de desgaste, umas lascas aqui e ali. A porta de grande envergadura, madeira escurecida e baça, abre-se ruidosamente após o rodar da maçaneta. O interior vazio, respirar torna- se ensurdecedor. Lá fora, em redor, tudo é árido, os pássaros e as plantas não se avistam a largas léguas de distância, deixaram de procurar vida por estas bandas.
E a casa a desaparecer com o embate do vento, da chuva e do sol; a sua história diluída, extinta, apagada. Nada.
(d Trintona)

sábado, 6 de agosto de 2011

 

Não querendo ser subversiva, contudo estou a ficar um pouco cansada de ser alvo de chacota num contexto político nacional/internacional autista e vicioso. Infelizmente a relação entre este clip e o meu estado de espirito é cada vez mais estreita - manifestando-se com maior frequência do que gostaria....
  


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Tentas, de longe, dizer que estás aqui.
Com peso triste caminha na rua o Outono.
O meu coração debruça-se à janela
a ver pessoas e carros, e as folhas caindo.

Mastigo esta solidão
como quando era pequeno e jantava
diante dos pais zangados:
devagar, ausente
(Musa Irregular, Fernando Assis Pacheco)

domingo, 24 de julho de 2011

A grande realização parece incompleta,
mas a sua utilidade nunca se esgota.
A grande plenitude parece vazia,
mas a sua utilidade nunca empobrece.

A grande rectidão parece flectida
A grande habilidade parece desajeitada
A grande eloquência parece gaguejar.

A agitação vence o frio
A serenidade vence o calor.
A limpidez da serenidade é a perfeição do mundo.
                                              (Tao Te King, Lao Tse)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Reflexo

E ela continua a ouvir uma voz ensurdecedora vinda do mais íntimo do seu ser: fugir, tentar outra vez, é isso… depois o mundo nas tuas mãos. Olhando-se no espelho, expressando desespero e angustia pergunta “quando cessa a constante insatisfação”, a busca contínua torna-se exaustiva - pensa; “estou cansada” e repete mais duas vezes esta expressão, inclina a cabeça até os olhos fixarem o chão de madeira irregular.
Desloca as suas mãos com a pele ressequida e pequenos golpes nos dedos em direcção à face como se não a reconhece-se, no sentido de identificar o ser que estava frente ao espelho; a respiração torna-se ofegante. Permanece imóvel, procura apaziguar o tumulto de sentimentos revisitados, tenta aceitar o seu reflexo, tenta aceitar-se. Passam 5, 10, 15, 20 minutos. Desvia-se, com uma espécie de resignação, inclinando cada vez menos esporadicamente a cabeça para o espelho.
Este cenário repete-se por semanas, meses, anos… E vai saltitando de registo para registo, sem assentar, sem construir, as desculpas estão mais que gastas contudo ainda encaixam num puzzle cheio de inconsistências…     
(d Trintona)

quinta-feira, 30 de junho de 2011


Os Navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto os navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
Partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.


Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram-se nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
              (As palavras interditas, Eugénio de Andrade)

terça-feira, 21 de junho de 2011

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (4)

Todos os dias somos bombardeados - pela televisão, jogos, brinquedos, revistas, rádio, publicidade exposta na rua, metro e afins sobre os padrões pelo qual a nossa vida se deve reger, como devemos ser, aparecer e estar.
Desde crianças que os media nos ditam como devemos viver e o que é o sucesso social. Perante esta realidade determinados grupos e indivíduos conseguem a serenidade, felicidade e sucesso pessoal desafiando a sociedade vigente, contrariando os estereótipos actuais conseguem estar integrados sem se imiscuir na sociedade. Contudo esta harmonia não é contínua ou permanente, mas um equilíbrio frágil que é frequentemente recalibrado. É uma missão complexa romper as amarras e construir o nosso pequeno mundo, tem os seus riscos e a rede de suporte é frágil tornando a queda uma probabilidade.
O equilíbrio acima referido é um tanto ou quanto espinhoso, é um trabalho árduo a construção de um lugar onde os moldes do êxito repetidos desde que existimos como cidadãos podem ser contornados. Este espaço de auto-reconhecimento por vezes demora e a inquietação, isolamento e angústia é diagnosticada e catalogada com o nome de uma doença qualquer de um grau qualquer presente num protocolo de diagnósticos psicológicos/psiquiátricos. E começa uma listagem de medicação. Com um rótulo tudo está explicado, entendido e a sociedade pode continuar. A infelicidade é um preço a pagar, sem stresse porque há sempre alguém que lucra com a desgraça alheia. E por vezes, com a adversidade um ou outro génio é revelado e adorado depois de sepultado.
(d Trintona)

quarta-feira, 8 de junho de 2011


Que saudades... quando pirralha idealizava ser e viver como o Huckleberry Finn com o seu código de honra/amizade muito particular

domingo, 5 de junho de 2011

Um papelinho, vá lá só um, faz-me esse favorzinho...

Bem, já exerci a minha função como cidadã portuguesa, só e apenas falta o próximo governo e restantes entidades políticas que governam o país, ou o representam, visto Portugal ser governado pelo bloco central europeu - perdoem-me o equívoco: dirigido pela chanceler alemã Angela Merkel; cumpram as suas obrigações para comigo como jovem portuguesa inserida no  actual contexto social e económico da grande maioria dos jovens portugueses e europeus. Já estou há uns aninhos à espera, contudo cultivo a paciência como uma virtude e continuo cumprindo as minhas obrigações – voto, tenho os impostos em dia, desconto para a segurança social (de forma a cobrir a reforma e custos de saúde dos meus avós e pais) não tenho dívidas, gasto um pouco menos do que posso e até tenho um porquinho (por enquanto miniatura) para a minha reforma.
(d Trintona)

sábado, 4 de junho de 2011


E sequem-se-me os dedos a cabeça
estoire e não fique de tudo uma palavra
se a maldição for tanta que eu te esqueça

e não reste sequer o chão e não de quantas ruas e
não já reste a cidade

e seja a memória deste homem um escárnio ocultado por quinze
gerações de vindouros
com seus cães que se deitam aos pés das pessoas e parecem adivi-


nhar a linguagem monstruosa
das narinas resfolegando

se a maldição for tanta e tão perfídia
que eu te esqueça na morte, que eu te esqueça
                                              (A musa irregular, Fernando Assis Pacheco)

sábado, 28 de maio de 2011

Do cobertor à leitura, ou vice-versa

Tenho uma grande paixão, para alguns poderá também classificar-se como obsessão, ler. Quando leio sonho, amo, rio, sofro; vivo, como uma espectadora oculta, contudo presente no livro, o respectivo enlace ou desenlace, com uma intensidade tal que o seu término requer pelo menos dois dias de luto. Em cada livro fica armazenado um fragmento da minha alma. Como o cobertor do Linus em Charlie Brown, necessito deste escape que é ler.
Por vezes questiono-me desta necessidade e, embora raras ocasiões dedique à introspecção (pronto, pronto, inúmeras vezes, constantemente), determinado pensamento emerge lacerante – será o livro um nobre substituto para inexistente coragem de viver?
(d Trintona)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

"A indiferença dissolve a linguagem, baralha os sinais. És paciente e não esperas, és livre e não escolhes, estás disponível e nada te mobiliza. Não pedes nada , não exiges nada, não impões nada. "
(Georges Perec)

terça-feira, 17 de maio de 2011

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (3)

Ontem, quando decidi actualizar-me das novas tendências e afins, eis no que os meus olhos deparam: golfe para a casa de banho, perdoem-me é mais uma pequena amostra dada a sua dimensão. Efim, um engenho interessante e de utilidade discutível. Tiro o chapéu ao marketing que, inserido num meio de cultura perfeito - sociedade capitalista, criou mais uma necessidade. E assim vão se mantendo alguns (ou muitos) entretidos.
(d Trintona)

quarta-feira, 4 de maio de 2011


"Agora vives no inesgotável. Cada dia é feito de silêncios e de ruídos, de luzes e de negro, de espessuras, de esperas, de arrepios. O que importa é perderes-te mais uma vez, para sempre, cada vez mais, vaguear sem fim, encontrar o sono, uma certa paz do corpo: abandono, lassidão, entorpecimento, deriva. Deslizas, deixas- te afundar, ceder: procurar o vazio, evitá-lo, caminhar, parar, sentares-te a uma mesa, encostares-te, estenderes-te."
               (George Perec)               

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Um dia memorável - 25 de Abril (3)

Vivo sempre este dia, todos os anos, com orgulho e emoção. Este e outros blogs não existiriam sem liberdade de expressão.
A democracia não é perfeita, não obstante permitiu-me estudar e construir capacidade crítica sem receio de represálias, fui para a rua e participei em movimentos de greve sem medo de retaliações. Por isso digo e grito com todas as minhas forças, até ficar sem voz e doer o peito VIVA A REVOLUÇÃO, VIVA A DEMOCRACIA, VIVA O 25 DE ABRIL!!!! E com paixão digo: sou portuguesa.
 (d Trintona)

Um dia memorável - 25 de Abril (2)

Um dia memorável - 25 de Abril (1)

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
                              (25 de Abril, Sofia de Mello Breyner)


quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.
                              (Casa, David Mourão-Ferreira)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

"I´ve got plenty of nothing"

Dado o enquadramento económico e social do nosso país, plantado à beira mar, penso que enriquecer não será um problema, mas sim a sua ausência. Aproveito para partilhar não só uma perspectiva distinta da nossa carência financeira ou abundância na pobreza, como um pouco da excelência vivida nos dias da música em Lisboa.
 
 

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ainda sem tecnologia... (2)

Já está!
O portátil finalmente está em excelentes mãos. Um amigo deu-me o número de telefone de um amigo e contactei-o com toda a humildade, porém desconhecendo a personalidade que ia perder o seu precioso tempo com o computador de uma mera e vulgar cidadã. Um génio da informática a perder o seu tempo e gastar as células milionárias do seu cérebro, como é possível? A vergonha senti quando soube quem incomodara com bagatelas, tendo uma hora antes entregue o portátil numa mochila com vestígios de areia (está bem um pouco mais do que vestígios) e diversos recibos enrodilhados. Não tenho desculpa. Imagino o que deve pensar. Sacrilégio, é o mesmo que entregar um documento antigo a um arqueólogo com pingas de leite e sem luvas.
Se pensam que posteriormente me redimi da profanação cometida, enganam-se. Infelizmente, como algumas pessoas neste vasto universo (pelo menos gosto de pensar que sim) quanto maior é o meu empenho em remediar algo, pior é o resultado. Isto foi a cerca de um ano. Devido ao episódio descrito anteriormente só gostaria recorrer a este senhor soberano do mundo informático como último dos recursos. Pois agora entreguei-lhe o objecto digno de atenção, cuidados e ternura numa bolsa apresentável, contudo o portátil não fecha, os ganchos partiram-se.
 Bem, se zelar por objectos inanimados é tão turbulento, cuidar de uma plantinha será uma missão quase impossível. Isto de ser tia vai ser o cabo dos trabalhos, tenho de me aplicar com afinco.
     (d Trintona)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Unwanted trash


Era maravilhoso que nos pudéssemos livrar de específicos momentos do passado, aqueles em que apenas uma ínfima lembrança nos faz doer o estômago com se tivéssemos levado um murro de um halterofilista ou sentir uma angústia, uma opressão que nos incapacita, uma sofrimento quase físico, começas a hiperventilar. Seria libertador eliminá-los como quando atiramos com convicção os objectos desnecessários, indesejados para uma fogueira. Erradicá-los do nosso consciente como se arrancam as ervas daninhas. Imaginem um ritual de libertação, começar uma nova vida cheia de possibilidades e expectativas, novos encontros, novas relações, voltar à bifurcação e escolher o caminho alternativo.
Como as ervas daninhas estes momentos indesejáveis tiveram os seus benefícios. Existe um ditado repetido de geração para geração “o medo guarda a vinha”. Como nos podemos proteger sem deixar de viver, sem nos fecharmos numa bolha, se não soubermos do que recear. Como podemos ser intrépidos sem sermos estúpidos, arriscar sem sermos irresponsáveis, audaciosos sem raiar a insensatez? O medo, a dor, o sofrimento nunca são desejáveis e evitamo-los em muitas opções que fazemos; o nervosismo, a insónia e outros sentimentos que antecedem a decisão têm essa finalidade. Contudo, esses momentos dolorosos existem, podemos ignorá-los e assim destinados a repeti-los ou podemos aprender e continuar com uma postura mais confiante e segura contudo cautelosa, astuta e sensata.
No entanto, evito o sofrimento como o diabo foge da cruz… com o ditado “não faças o que eu faço mas faz o que eu digo” defendo-me desta profunda incongruência (como se justificava a minha mãe cada vez que a confrontava com provas concretas das suas dissensões).
(d Trintona)

quarta-feira, 6 de abril de 2011


dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
                 (Dizem que a  paixão o conheceu, Al Berto)

sábado, 2 de abril de 2011

Ainda sem tecnologia...

Uma semana sem tecnologias e começa a desintoxicação forçada. Primeiros dias "vida malvada, existência malfadada e amaldiçoada", posteriormente um olhar esporádico desvia-se forçosamente para o espaço vazio previamente ocupado pelo portátil (uma ou duas vezes por dia). Vou na segunda semana e o Albino transmitiu-me com algum pesar que o arranjo está fora do seu alcance. Por esta altura dependo de pequenas esmolas de amigos (uns minutos em casa de um amigo, uma hora na casa de outro). Por isso os posts continuarão a ser escassos por mais uns dias ou semanas.
Com alguma mágua...
(d Trintona)

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (2)

Um destes dias, ou seja, há uns meses atrás, ia passeando descontraída por South Kensinghton, em Londres, uma rua bastante selecta. Como qualquer pessoa sem objectivos especificos, que vagueia, observava o mundo em meu redor e eis no que meus olhos tropeçam: um cão muito bem apresentado, o cão estava melhor penteado e vestido que eu, até tinha uns sapatinhos. Não consegui desviar o olhar até o sr. cão estar fora do meu campo de visão.  Devo confessar que por escassos minutos senti algum constragimento por estar vestida de forma tão desportiva e casual...
(d Trintona)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Quase calamidade narcisista

Estava calmamente, com um entusiasmo de difícil contenção, a comprar bilhetes para um espectáculo este sábado, quando inusitadamente, como combustão espontânea surgem 4 ou 6 janelas no ecrã do ditoso portátil a anunciar “vírus trojan”. Instalou-se o pânico. Procuro nervosa a telemóvel que, após encontrado, escorrega por entre os dedos (penso ser aplicável o ditado “quanto mais depressa mais devagar”)… Com telemóvel finalmente em posição para salvamento telefono ao amigo certo, para grande sorte minha. É de vital importância esclarecer o caro ou caros leitores que a sorte raramente tropeça no meu caminho. Mas, voltando ao drama em questão, quando digito o número do Albino, em quem deposito todas as minhas esperanças, surge no ecrã do portátil “crush down”, num segundo tudo se apaga. Neste curto espaço de tempo, tento acalmar minha fúria misto estupefacção. O Albino atende o telefone e corre em meu salvamento. Não surgiu com a indumentária de super-homem ou óculinhos à nerd, contudo foi um herói. Tudo se resolve faz-se isto e aquilo… não percebi peva, porém as palavras mágicas foram ouvidas: resolve-se, arranja-se.
Ufa…
Passada uma hora, faz-se luz: com sorte 50% do disco poderá ser recuperado. Quê? E os meus escassos leitores, os meus documentos, filmes e músicas coleccionadas ao longo de uma vida? (Desculpem não ter devotado toda a minha atenção em vós).
Ao longo da minha estadia neste planeta como individuo foi realçada a minha audição selectiva. Este fenómeno tem as suas vantagens, contudo, nestas situações, é tramado: primeiro o alívio; passado umas horas ou dias, ao me consciencializar de errónea informação absorvida e analisada, a desilusão e apreensão são sentidas. Apesar dos inconvenientes, esta selectividade aliada a uma preguiça saudável podem ser benéficas, por vezes os problemas solucionam-se; o modo auto-gestão é possível (embora menos vezes do que gostaria, ou seja raramente).
To be continued…
(d Trintona)

segunda-feira, 14 de março de 2011

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista...

A expressão "orgulhosamente só" é frequentemente dita com uma planeada ou espontânea entoação. A resposta é também balbuciada, contida, silenciosa ou pode ser entusiasta, contudo raramente é uma interlocução indiferente ou imparcial. Por vezes o “orgulhosamente só” não tem de ser um sinal de frustração, desistência, fraqueza ou de luta, força, coragem; é simplesmente orgulhosamente só. Nem tudo tem de ser justificado, categorizado. Um gajo bêbado pode ser apenas um gajo bêbado.
(d Trintona)

domingo, 6 de março de 2011


Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
                                (A minha tragádia,  Al Berto)

sexta-feira, 4 de março de 2011

Uma matriz de cinzentos


No Tibete a meditação, paz e comunhão/simbiose com a natureza ditam o quotidiano tibetano. Estes princípios não são linhas orientadoras, são cumpridas religiosamente e transmitidas de geração para geração. Sem hipocrisias, sem diversos tons de cinzento. Contudo fora do Tibete os cânones são outros, a matriz é dispersa, onde as leis são aprovadas para serem obedecidas por uns e corrompidas por outros. Ainda é mais verdade quando se fala da China. O Tibete harmonioso e perseverante está cada vez menos isolado de um mundo sombrio, onde a ganância e a luta pelo poder impera perante uns “gatos-pingados” que lutam de forma pacífica e legítima pelos direitos deste povo cujo crime cometido foi ser ingénuo, íntegro e desprendido das leis materiais. O resultado é morte, destruição, cepticismo.
Quando somos jovens tendemos a ser incisivos, onde existe mal e bem, certo e errado, lutamos pelo que acreditamos, posições claras são expressas e bem definidas. Quanto ao adulto calejado, realista, pouco crente na raça humana é outra história. Existem diversas tonalidades de cinzento, sendo a expressão “não é tudo preto ou branco ” reiterada.
Creio que a China não chegaria tão longe com tanta agilidade sem colaboração. O mundo ocidental que critica ferozmente esta depredação, noutra dimensão arquitecta juntamente com a China tal devastação. Claro, glória negada e feito simulado, pois não seriam aplaudidos, os que erguem o estandarte dos direitos humanos envolverem-se em tal flagelo. Por isso contentam-se com a partilha dos lucros.
Pobres tibetanos que desconheciam a ironia, a perfídia e o crime. Irá ser uma aprendizagem contínua, contudo, só num sentido, porque nós preferimos ignorar esta cultura fascinante. Talvez um dia percebamos que a sobrevivência do ser humano como espécie depende da prática desses valores tão nobres.
(d Trintona)

quarta-feira, 2 de março de 2011


«Por isso, numa relação de amor que, embora tenha começado, não pode realizar-se, a delicadeza é a coisa mais ofensiva que há, e aquele que tem visão erótica e não é cobarde facilmente vê que ser indelicado é o único meio que lhe resta para respeitar a honra da rapariga.»
(from Kierkegaard)

sábado, 26 de fevereiro de 2011


Ultimamente não consigo deixar de reflectir o porquê da erva do vizinho ser sempre mais verde que a minha. Torna a vida tão complexa e cega-nos relação aos nossos feitos e realizações. Torna-nos ambiciosos. Perdemos a noção do quanto somos ricos (sendo  a riqueza mais abrangente do que o tamanho da nossa conta bancária). A vida torna-se uma neblina permanente.
Considerando a bem-aventurança uma medida complexa, não quantificável, qualitativa e portanto subjectiva. Porquê que a nossa erva não há-de ser verde, ponto? Porquê comparar? Não sei, mesmo após esta dissertação, a questão mantém-se...
(d Trintona)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Anciã Ditosa

Um dia, à uns anos atrás, quando andava no 10º ano, um amiga minha desabafou que tinha um medo terrível de envelhecer, envelhecer significava estar num lar, sozinha, doente, confusa, esquecida, sem visitas e à espera da morte. Não soube que dizer, via a velhice de uma forma absolutamente encantadora, de cabelos brancos e óculos no inicio do nariz, numa cadeira de baloiço, a ler histórias aos meus futuros netos, a ler livros horas sem fim, a viajar por Portugal, sem obrigações nem preocupações. Bem sei que poderão pensar, coitada anda a ver muitos filmes… Bem, há um ano atrás, num café com a mesma amiga, a mesma temática emergiu. A minha amiga teme a velhice e seus receios acentuaram-se. Quanto a mim, só mudou a quantidade de netos e vejo-me com escassas obrigações relacionadas com a realidade do mundo ocidental, ou seja, periodicamente ir buscar os netos à escola, fazer um jantarinho para mais do que duas pessoas, concluindo continua a ser um quadro encantador. Penso que os meus avós contribuem para este esplêndido simulacro, embora a forma positiva, quase utópica, como analiso a realidade e o dia a dia seja um factor determinante.
(d Trintona)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Come live with me and be my love,
And we will all the pleasures prove
That valleys, groves, hills, and fields,
Woods, or steepy mountain yields.

And we will sit upon the rocks, 
Seeing the shepherds feed their flocks, 
By shallow rivers to whose falls 
Melodious birds sing madrigals.

And I will make thee beds of roses
And a thousand fragrant posies, 
A cap of flowers, and a kirtle
Embroidered all with leaves of myrtle;

A gown made of the finest wool
Which from our pretty lambs we pull;
Fair lined slippers for the cold, 
With buckles of the purest gold;

A belt of straw and ivy buds,
With coral clasps and amber studs:
And if these pleasures may thee move,
Come live with me, and be my love.

The shepherds' swains shall dance and sing
For thy delight each May morning:
If these delights thy mind may move,
Then live with me and be my love.
(The Passionate Shepherd to His Love, Christopher Marlowe)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Palavras para quê


Amar! Mas dum amor que tenha vida…
Não sejam sempre tímidos arpejos,
Não sejam só delírios e desejos
Duma doida cabeça escandecida…

Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser – e não só beijos
Dados no ar – delírios e desejos –
Meu amor … dos amores que têm vida…

Sim, vivo e quente! E já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa de vaga fantasia…

Nem murchará do Sol à chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores … se têm vida?
                             (Amor vivo, Antero de Quental)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

"E partiu de novo, para poder dar de caras com «Clawdia», o que tinha um encanto incomparavelmente mais perigoso do que caminhar à frente ou atrás dela. Quando, pela primeira vez, pôs esta táctica em acção, ela mediu-o à distância com o olhar, de alto a baixo, sem qualquer pudor ou contemplação, desviando, contudo, a cara com indiferença quando se aproximaram, para prosseguir de seguida o seu caminho. Um encontro, portanto, sem nada de particularmente assinalável. Mas quando o mesmo se passou pela segunda vez, ela não desviou os olhos dele, e isso não apenas à distância: cravou nele o olhar o tempo inteiro, durante todo o encontro, observando-o com insistência e até alguma severidade, e continuou a olhar para trás mesmo depois de se terem cruzado, o que arrepiou o pobre Hans Castorp até à medula. Não podemos, no entanto, sentir pena dele, se foi ele mesmo quem tudo isto desejou e decidiu iniciar. (…). Nunca antes tivera o rosto da senhora Chauchat tão perto do seu, nunca antes o pudera examinar com tanta clareza e pormenor (…). Eram feições invulgares e marcantes, cheias de carácter (já que só o insólito nos parece sinónimo de personalidade), de um exotismo nórdico, enigmático, apelando à decifração, na medida em que as linhas e proporções não eram de fácil determinação.”             (Thomas Mann)

Mto bom, em concerto correspondem às expectativas. Recomendo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O amor não é um sentimento dúbio

Estava a relatar a um amigo o percalço de um casal que após 4 anos de relação afastaram-se por um ou dois meses. Findo estes meses ambos decidiram que se amavam demasiado e alguns ajustamentos seriam necessários para uma relação duradoura e madura. Nisto o meu amigo afirmou com invulgar convicção que o amor não requer esforço. Observei-o incrédula e aguardei uns minutos em silêncio no sentido de que se apercebesse do que tinha acabado de dizer. Nenhuma tentativa de explicação ou corrigir o que foi dito. Como um homem de 37 anos ainda acredita nos contos da Disney, nos contos infanto-juvenis.
Fico estarrecida quando à mínima adversidade, estas e outras crenças são convenientes e justificações plausíveis para os adultos da minha e posteriores gerações se divorciarem com a facilidade e rapidez com que se compra um café na esquina. Claro que há excepções e não são poucas. Mas a carapuça serve, infelizmente, a mais indivíduos do que gostaria. O amor não é suposto ser um vento suave numa tarde quente, um maravilhoso pôr-do-sol no cimo de um monte ou na praia, uma alternativa à solidão. O amor é altruísta, êxtase, felicidade; contudo é sofrimento, angústia e desespero. É uma amálgama de sentimentos contraditórios. É selvagem, lágrimas e suor. O amor torna o ser humano feroz contudo sereno e tolerante.
O amor é vivido, não é lido nem contado. E, mesmo após o término da relação, esse sentimento é transformado, não se evapora ou simplesmente desaparece. No entanto, após viver-se o amor, o arrependimento não é uma opção. Os momentos de felicidade bem como angústia contribuem para o que somos hoje.
(d trintona)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Obrigada amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

                                (Amigo, Alexandre O´Neill)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
(Lágrima de preta, António Gedeão)         

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Não percebo

Não percebo o fascínio pela auto-mutilação, não percebo a auto-flagelação em nome da religião. Esta não é uma situação de uma ou outra religião, parece ser comum a diversas religiões que proclamam a viva voz as diferenças entre as mesmas. Começando pela cristã, quando em Fátima é possível visualizar pessoas de todas as idades a caminhar de joelhos no chão até a dor interior passar a ser visível e portanto passível de comiseração e tratamento. Desculpem se estou a ser injusta ou preconceituosa, não consigo ser indiferente a este fenómeno. Nada diz na bíblia que a flagelação física nos aproxima do céu ou perdão. Em oposição ajudar o próximo, altruísmo e despretensiosismo são actos valorizados pelo catolicismo e por conseguinte dignos do “céu”. Em vez de as promessas consistirem em 10 voltas ao recinto de Fátima, porque não prometerem durante 10 dias fazer voluntariado oferecendo sopa aos sem abrigos ou a simples oferta de cobertores à vizinha que não tem rendimentos nem para comer. Devido à crise actual a nossa sociedade não carece de pessoas a precisar de diversos tipos de ajuda e não é preciso estar financeiramente numa boa posição para o fazer, basta riqueza de espírito, imaginação e olhar atentamente. Não é preciso ser audacioso ou megalómano, existem diversas organizações (ONG) onde só precisam da presença de mãos prontas para trabalhar. E podia alongar-me sobre esta temática páginas e páginas, por isso to be continued…  Não quero aborrecer de tédio os poucos leitores que despendem um pouco do seu tempo para ler as crónicas de uma narcisista.
(d Trintona)

Para começar a semana com o pé direito



Desde que me cansei de procurar,
Aprendi a encontrar.
Desde que o vento me sopra na face,
Velejo com todos os ventos.

                                (Nietzsche)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Do not go gentle into that good night

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

                                                           (by Dylan Thomas)
Diversas vezes, quando calmamente passeamos na rua ou estamos nalgum estabelecimento esperando por um serviço ou usufruindo desse serviço, podendo esse estabelecimento ser uma loja, aeroporto, autocarro, notário, etc.; surge um ser que decide verbalizar ou demonstrar o seu descontentamento pelo serviço prestado de forma pouco distinta. Quando me deparo como observadora destas situações penso sempre que nunca recorreria a tais formas de expressão para transmitir o meu descontentamento.
O parágrafo acima demonstra a minha posição em relação a tais chamadas de atenção. Nunca sonhei, nem me passou pela ideia ser tão néscia e encarnar esse papel tão desprezível a meus olhos.
Tudo começou no último dia das minhas férias, de regresso a casa vinha satisfeita, muito cansada e um pouco irritável (algo pouco compatível com a minha maneira de ser). Geralmente escolho levar a bagagem comigo no avião por ser mais prático e rápido. Eis o meu espanto, quando me dirigi para o controlo de segurança e o próprio me indica, com educação, para colocar a mala num daqueles controladores de tamanho metálicos da easyjet. Ora, a bagagem não cabia por um frustrante centímetro e o segurança apontou de forma brusca para o check in no sentido de a mala ser guardada no porão, além do custo extra. Esta é a parte que me envergonho profundamente, quando verbalizei de uma forma pouco sensata que iria caber custe o que custar e fiz figura de imbecil ao recorrer a meios físicos para demonstrar o quando insensata posso ser. Estas figuras tristes devem ter sido executadas pelo menos durante 5 min., enquanto isso o segurança aguardava calmamente que eu terminasse e o número de pessoas trás de mim aumentava, bem como os olhares ameaçadores. Lá foi a mala para o porão e o custo foi merecido pela minha total de ausência de conduta. Só de lembrar até me dói a alma. Triste foi, também, só ter realizado uma auto-critica quando me sentei na cadeira da mesa situada no meu quarto.
(d trintona)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Se

Quando uma relação de amor termina o se surge com frequência, mesmo quando o fim já era evidente. O que correu mal, onde errei, se ele fosse… se eu fosse… Contudo mudar estas variáveis é mudar a essência de cada um dos participantes e assim condicionar o amor. Seria uma questão  contraditória visto o amor ser imprevisível, espontâneo, selvagem, estão presentes os nossos instintos mais básicos. Da mesma forma que sofrimento, a dor, a angústia são sentimentos intrínsecos e portanto componentes da equação amor.
 Num universo paralelo, tendo os defeitos e situações que contribuíram para a ruptura sido anulados não existem garantias que esse mesmo casal existisse, que essas mesmas duas pessoas se sentissem atraídas uma pela outra e não por outra qualquer. Porque o se não é real. Ele ou ela entram nesta montanha russa como um todo, com tudo o que têm, sem condicionantes, cálculos ou racionalizações. É isso que torna cada relação de amor única como a impressão digital. Mudando os componentes, o resultado será forçosamente diferente.
(d Trintona)
Não é uma coisa só.
São muitas coisas nuas.

Não é o desabar de uma casa.
É percorrer os seus escombros.

Não é aguardar por um filho.
É voltar a sê-lo.

Não é penetrar em ti.
É sair de mim.

Não é pedir-te que faças.
É fazer-te.

Não é dormir lado a lado.
É estar jacente de mãos dadas.

Não é ouvir vento e chuva.
É franquear-lhes a cama.

E relâmpago que pela terra se funde.
                         (Luz Fraterna, António Osório)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Esperança

(Praça Tahir, Cairo)

A esperança é uma arma poderosa. Então quando é colectiva torna-se uma faísca impossível de quebrar ou destruir. Vemos pelos acontecimentos do Médio Oriente, um exemplo perfeito do poder deste sentimento presente no ser humano. Esta palavra é representada pela força de espírito. É mais poderosa que qualquer carro blindado, aviões militares ou qualquer outra arma mortífera. Contudo a sua ausência pode ser uma arma ignóbil. É da minha opinião que, na Europa o desespero, o desalento e descrença é um monstro que está ser alimentado e a atingir proporções preocupantes. A ausência de esperança fomenta o xenofobismo, a discórdia, a intolerância. As grandes e duradouras guerras, assim como ditaduras, tiveram como pano de fundo este sentimento aterrador.
É interessante como apesar de o mundo ser cada vez mais pequeno, numa parte vemos o acalentar da esperança e força espiritual individual e colectiva, noutra área, no  mesmo espaço temporal verificamos o oposto acontecer.
(d Tintona)

Os trinta

Esta doce e amarga idade é ridicularizada ou dramatizada pelos media. Determinadas celebridades descrevem este evento como um posto ou um marco, quase como o inicio de uma vida idílica, cheia de sabedoria e sensatez. Pois não senti nenhum dos extremos.
Os trinta e trinta e um  anos, foi como uma pequena empresa que passados uns anos encerra temporariamente para inventário, para reflectir como se tem adaptado ao mercado e comparar os lucros e prejuízos para concluir: se é forte e estável o suficiente para expandir o seu mercado, permanecer na posição actual até sedimentar sua posição no mercado ou fechar e minimizar estragos.
Aqui vai o meu testemunho, o difícil deste evento é perceber nesta altura do campeonato a imagem que se tem de si própria a nível social, cultural e pessoal. É o confronto entre o que esperávamos ter atingido, bem como o papel que imaginávamos/desejávamos desempenhar na sociedade e a crua realidade. Esta foi a reflexão que senti forçada a fazer e digo que não tem sido  bonito nem promissor, contudo também não é desolador. É uma etapa necessária e dolorosa para uma pacífica coexistência comigo própria e assim poder continuar a minha caminhada.
Com um tropeço inicio as crónicas de uma trintona.
(d Trintona)