segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

HAPPY NEW YEAR !!!!!!!!


Quando penso em ano novo, ambições e concretizações revisito a imagem do professor Keaton a sussurrar Carpe Diem aos seus discípulos. Dado a conjuntura económica e financeira europeia partilho convosco minha resolução para 2013, uma luz entre muitas num túnel que se prevê longo…

"Age saw two quiet children 
Go loving by at twilight, 
He knew not whether homeward, 
Or outward from the village, 
Or (chimes were ringing) churchward, 
He waited (they were strangers) 
Till they were out of hearing 
To bid them both be happy. 
"Be happy, happy, happy, 
And seize the day of pleasure."
The age-long theme is Age's. 
'Twas Age imposed on poems 
Their gather-roses burden 
To warn against the danger 
That overtaken lovers 
From being overflooded 
With happiness should have it. 
And yet not know they have it. 
But bid life seize the present? 
It lives less in the present 
Than in the future always, 
And less in both together 
Than in the past. The present 
Is too much for the senses, 
Too crowding, too confusing—
Too present to imagine."
(Carpe Diem, Robert Frost)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sala

 

Estava recostada com o livro aberto pousado nas mãos apreciando da janela a brisa suave, a dança das folhas, as árvores com vários tons de amarelos. Chamaste-me, pousei o livro no cadeirão e fomos passear na praia antes do almoço; o mar estava indomável, magnânimo, a cada passo os pés mergulhavam mais uma vez na areia. Comentei que o verão já estava no fim enquanto casava os botões e reforçava o conforto da lã, perguntei-te sobre o jantar e confirmaste as presenças. Nestes últimos dias espelhavas uma tranquilidade típica dos anciãos, imperturbável pela sua longevidade. Não sei onde vais buscar inabalável plenitude; por vezes irritas-me tanto. 
Pelas 18 começaram a chegar os nossos amigos, ajudaste-me com os preparativos. O céu estava raiado de vermelho enquanto se desenrolava a noite. O Outono teimava em apresentar-se, porém com o grelhador e as cervejas no jardim o ambiente aqueceu. Tu regozijavas o peixe que imponentemente ocupava toda a grelha e apreciavas os elogios, eu fui mostrando o futuro quarto do Ismael. Quando estávamos no terraço a jantar eis que a celebre pergunta é proferida “o nome do bebe”; grande comoção se levantou, e, enquanto inúmeras justificações te foram apresentadas para me demover dessa ideia, tu sorrias e os nossos olhares comunicaram. Como é que passados tantos invernos ainda te amo como no primeiro? Exibes a tua expressão complacente perante a minha inquietude e surpresa. No início da madrugada as estrelas ainda brilhavam com nitidez e o sol começava a raiar, caminhámos até a praia, sentamo-nos e enrolados em cobertores assistimos maravilhados ao espectáculo celestial.
Lá tem de ser, comentei de sussurro, um pequeno-almoço antes de dispersarem. Uma hora depois, finalmente sós (suspirámos). Subimos as escadas para o nosso quarto. No final do mês seremos três.
Estou recostada com um livro aberto pousado nas mãos.  (d Pseudoink)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Apelo


Apelo da minha facção idealista subjugada por mim e aos que como eu se resignaram e desistiram:

Grita,
Grita pelas mulheres vergadas pelos maridos, família, religião e politica;
Grita pelos que vivem na miséria social e mental;
Grita pelas crianças exploradas, analfabetas e abandonadas;
Grita pelos sobreviventes e mortos por desgraças naturais;
Grita pelos indigentes, inadaptados e sós;
Grita pelos oprimidos, deprimidos e resignados;
Grita por nós, simples cidadãos que não temos poder e somos enganados pelos que o possuem;

AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH

Grita pelo fim da corrupção, manipulação dos mercados, guerras, intolerância, violência gratuita, desigualdade mundial e de tudo o que cause sofrimento aqueles que não têm meios de o combater;

Grita por equidade, pelo conhecimento e escolaridade, pelos direitos das crianças e mulheres, pelo desarmamento nuclear e mundial;

Debate-te por o mundo melhor, torna-te agente da mudança, sê melhor… Recusa extremismos ou fundamentalismos, ouve, observa, reflecte, aprende mas desperto, recusa tabuas rasas ou teoremas já resolvidos, partilha ideias, sê humilde, ambiciona conhecer …
(d Pseudoink)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (8)


O desaparecimento de determinadas entidades do mundo como o conhecemos rasga a minha rotina diária, sinto pesar mesmo nunca tendo estabelecido qualquer tipo de contacto físico com as pessoas em questão. É desconcertante mas entristece-me. Embora pareça incongruente e fútil todas contribuíram para o que sou hoje, participaram no meu amadurecimento, propiciaram momentos de reflexão. Portanto com mágoa e sem vergonha afirmo que fiquei sentida com o desaparecimento de Carlos Pinto Coelho. Miguel Portas, embora me diferencie das suas convicções políticas apresentou-me o encanto da asia com culturas e religiões diversas. Posteriormente, Bernardo Sassetti contribuiu para o aperfeiçoamento do meu ouvido e despertou o meu insaciável interesse no jazz português/internacional que tantos momentos de prazer e introspecção me proporcionaram.

quinta-feira, 26 de julho de 2012


Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

                              (Presídio, David Mourão-Ferreira)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O lado selvagem (jon krakauer)






Onde alguns vêem cobardia eu vejo coragem,
Onde uns vêem estupidez eu vejo desafio,
Uns vêem fugir eu vejo abraçar a vida,
Uns vêem egotismo eu vejo crescer, concretização,
Uns vêem idealismo eu vejo um futuro,
Uns vêm inadaptado eu vejo aperfeiçoamento, evolução;
É impossivel ser-se indeferente ao estoicismo e integridade na construção de uma identidade numa civilização preenchida por lugares comuns. Recusar os modelos de vida disponíveis... Sonho pisar esse chão. É o que distingue os homens dos outros… os outros sonham. (d Pseudoink)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove – reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Nós não queremos disparar.
(Renshi.eu, Felipa Leal)

terça-feira, 19 de junho de 2012

Palavras Afónicas


Quis-te dizer tanto, partilhar contigo o que sinto, a alegria quanto te vejo, o riso estúpido quando leio as tuas mensagens. As nossas longas conversas no bar. As palavras tropeçam. Não, não é assim que quero começar. Penetraste os muros que demorei anos a edificar, com uma confiança e calma inabalável, sem olhares para trás, sem te importares com a minha fragilidade. É verdade que esses tijolos eram o meu carcere, mas aprendi a gostar da minha prisão, decorei as paredes, criei o meu pequeno mundo. Construi uma personagem sem riscos, com calculadas interferências, planifiquei histórias, brinquei com os enredos, tudo da minha janela. Agora caiu, levanto-me com dificuldade. Tropeço neste mundo que desconheço. Mais outro arranhão, a mascara inabalável começa a rachar. E tu, onde estás? Porque não me ofereces a tua mão? Sou participante de uma história que desconheço o enredo e o final.  
 (d Pseudoink)

terça-feira, 12 de junho de 2012

Optimus Primavera Sound


De 7 a 10 de Junho estreou o festival Optimus Primavera Sound no Porto, sem vergonha e com pujança arriscou e venceu em todos os sentidos. Vivendo-se um ambiente relaxado e sereno, primou pela qualidade, organização e exigência. O cartaz conseguiu ser variado, porém sólido e maduro. Provavelmente serei injusta e empunhado o meu orgulho português congratulo duas bandas que desconhecia e me surpreenderam:






segunda-feira, 28 de maio de 2012

Não morres satisfeito.
A vida te viveu
sem que vivesses nela.
E não te convenceu
nem deu qualquer motivo
para haver o ser vivo.

A vida te venceu
em luta desigual.
Era todo o passado
presente presidente
na polpa do futuro
acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
não morres conformado.

Nem morres informado
dos termos da sentença
de tua morte, lida
antes de redigida.
Deram-te um defensor
cego surdo estrangeiro
que ora metia medo
ora extorquia amor.

Nem sabes se és culpado
de não ter culpa. Sabes
que morres todo o tempo
no ensaiar errado
que vai a cada instante
desensinando a morte
quanto mais a soletras,
sem que, nascido, more
onde, vivendo, morres.

Não morres satisfeito
de trocar tua morte
por outra mais (?) perfeita.
Não aceitas teu
como aceitaste os muitos
fins em volta de ti.

Testemunhaste a morte
no privilégio de ouro
de a sentires em vida
através de um aquário.
Eras tu que morrias
nesse, naquela; e vias
teu ser evaporado
fugir à percepção.
Estranho vivo, ausente
na suposta consciência
de imperador cativo.

Foste morrendo só
como sobremorrente
no lodoso telhado
(era prémio, castigo?)
de onde a vista captava
o que era abraço e não
durava ou se perdia
em guerra de extermínio,
horror de lado a lado.

E tudo foi a caça
veloz fugindo ao tiro
e o tiro se perdendo
em outra caça ou planta
ou barro, arame, gruta.
E a procura do tiro
e do atirador
(nem sequer tinha mãos),
procura, a procura
da razão de procura.

Não morres satisfeito,
morres desinformado.

(Tu? Eu?, Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 22 de maio de 2012

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (7)

Diria que os momentos mais felizes de um projecto audacioso são intrínsecos ao resultado adjacente contudo este não é um deles, independentemente da dimensão do alcance. Já o caminho auspicioso, a labuta, as infinitas aspirações tornam-no memorável. A multiplicidade de aventuras move o aspirante, a curiosidade para além de cada porta ou muro alcançado, a idealização de uma vida alternativa preenchida de possibilidades e escolhas justificam toda uma existência fadada de compromissos. Para quê ser politicamente correcto, anseio o mundo nas minhas mãos, tal qual Charlie Chaplin brincando com o globo nos seus pés. No caso de essa analogia não ser realizável, então posso conformar-me com os sapatos vermelhos de Dorothy: se desejarmos o bastante, as ambições são concretizadas e obstáculos superados.
Era bom não era… Agora vai mas é trabalhar!!!

domingo, 13 de maio de 2012

Poesia

     Uns dias atrás deparei com uma omissão imperdoável, passou despercebido o dia da poesia neste blog. Como pude cometer tamanha vileza? Em minha defesa, todos os dias são dias da palavra. Filha de pais de ideologia romântica cresci com a poesia. Foram incalculáveis os ensejos que a agulha do gira-discos circulou no vinil de Eunice Munoz citando Florbela Espanca. Ainda consigo com relativa precisão distinguir as velhas falhas que a agulha teima em vincar e os recentes estragos pela continuidade do uso. As palavras melancólicas prolongavam-se, sentidas, sofridas pela voz que só muitos anos depois associei a um rosto.
    Foi sagrada a hora em que João Villaret e Mário Viegas, durante anos, exerceram com magnificência a singela tarefa de incorporar e partilhar esta forma de arte. Podia bater o pé para não jantar, porém quando estes dois senhores figuravam no ecrã televiso, os 4 pares de os olhos fixavam o ecrã e o silêncio era mandatário.
    Mais tarde, Natália Luisa, Carmen Dolores e Luis Miguel Sintra frequentaram a minha sala amiúde com o Acontece. Foram estes grandes senhores que me ensinaram a gostar e a ler poesia. A minha gratidão e vénia aos poetas e aos porta-vozes que difundem esta forma de escrita com igual singularidade e dignidade.
     (d Pseudoink)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

 
(exposição dedicada a Fernando Pessoa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Poema em linha recta, Álvaro de Campos)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Filosofia Catatónica

Esta será a nova nominação deste espaço. Com a crise económica persistente não serei tia ou madrinha tão cedo (apesar dos meus esforços) e não tenho nada de útil para fazer. Para celebrar este evento aqui vai um video de uma música de Carlos Paredes revisitada pelo Norberto Belo "mudar de vida".


domingo, 22 de abril de 2012


Poderá andar-se metido num amor a contragosto?
Claro que sim.
Um amor a contragosto é um amor em relação ao qual o sujeito que o sofre palpita que está numa perspectiva catastrófica e que, em princípio, nada poderá fazer para evitar a catástrofe, que esta o espera no fim de tudo e se prepara para o mastigar sem contemplações, reduzindo-o a cisco.
“Reconquista-me!”, diz o objecto desse amor a contragosto, entremostrando-se e furtando-se logo de seguida. E o sofrente do amor a contragosto compraz-se (afinal com imenso gosto!) em esfalfar-se e em arruinar-se nessa descida aos inferninhos do amor infeliz.
                                                               (Uma coisa em forma de assim, Alexandre O´Neill)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Vida,

Que esperas de mim? Já não te dei o suficiente? Sou um homem melhor por ti, amei-te mais que a mim próprio… À, o problema está aí, vejo pela tua expressão. Pensei que chegava! Mas queres mais, sempre foste caprichosa e voluntariosa! Tenho de gostar mais de mim, não é? Sempre a mesma justificação para a tua rigidez e incompreensão, nunca me apoiaste. Suportei os constantes obstáculos que me impuseste sem descanso ou uma palavra de apreço. Luto por ti e a para ti, e que fazes? Encolhes os ombros. Renego e desprezo a tua condescendência. Odeio-te por me tornares no que sou, um ser medíocre, digno de comiseração. Não consigo olhar-me com um resquício de orgulho, vergaste-me e humilhaste-me. Reduzido a pó e cinzas. Conseguiste! Despedi-me de ninguém, nem de mim mesmo. Merda para ti.
À beira do precipício, gesticulava enquanto as lágrimas corriam pela face. Olhou para o leito rochoso do rio seco.
Hoje recebi uma carta da morgue.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?

(Musa Irregular, Fernando Assis Pacheco)

quinta-feira, 29 de março de 2012

Carpe Diem Alentejano


    Há uns dias atrás decidi visitar o Alentejo, mais especificamente Porto Covo. Já conhecia esta região como turista, porém há muito formigava o interesse antropológico.
    Estava um dia lindo em Lisboa, previa-se primavera em todo o país. A disposição para absorver a sabedoria alentejana e a comtemplar a sua beleza paisagística não podia ser melhor.
    Em cima do momento, no início da tarde, já pronta para sair, telefono a um amigo a inqueri-lo do meu intento, um café fica confirmado. De uma pessoa numa mesa com dois lugares, passou a um aglomerado e até ao final da noite mais se juntaram, de um café estendeu-se a lanche e prolongou-se pela noite com jantar incluído. As pessoas juntavam-se, cumprimentavam com as devidas apresentações e conversávamos como amigos de longa data que não se viam há uns bons aninhos. Com o sol a pôr-se na orla da praia e a folia cada vez mais animada, os ingredientes combinavam e emergiam numa receita soberba. À medida que a noite se afirmava fui experienciando arte de receber tão característica destes novos amigos, a honestidade e sinceridade sem tabus, os braços abertos sem agendas ou condições. É libertador e desarmante a sua disponibilidade.
    O tempo foi aproveitado ao segundo. Por estes lados cada dia é vivido como se fosse o último, sem lamentos, sem minutos perdidos a discutir por um lugar de estacionamento ou por o vizinho ter comprado o último bolo de arroz. O stress de um dia de trabalho é escoado no convívio numa praia, debaixo de uma oliveira ou numa eira com petiscos e muito riso à mistura. Um estilo de vida que não carece velocidade no lazer e a inteligência emocional é a chave para viver com plenitude. Uma experiência a revisitar.

segunda-feira, 19 de março de 2012

O Amor?

   
    Como rabiscar sobre algo que os grandes poetas, filósofos e escritores já dissertaram. Como escrever sem parecer ridícula ou displicente sobre um sentimento vivido de forma tão distinta como uma impressão digital, sem julgamentos ou certezas, sem o diminuir ou sobrevalorizar? Só reflectindo o que vi e interpretei, as pequenas pérolas que no mundo actual me fazem acreditar e proteger este sentimento que “arde sem se ver”, que nos enlouquece ou torna os loucos sãos, os mais corajosos em cobardes e os cobardes heróis, que é vadio e selvagem. Não tem regras nem as quer respeitar.
    Amor, para mim, é quando vejo o meu avô aos 80 anos a aprender a cozinhar para ajudar a minha avó, ou quando são apanhados a beijarem-se às escondidas. Também está presente na ternura com que ele aquece o lado da cama da minha avó nos dias frios.
    É quando dois jovens amam-se tanto que têm de se separar porque também se ferem com a mesma intensidade, tornando-se altruístas.
    Observa-se a viva chama deste sentimento quando após 70 ou mais anos de casados, uma senhora idosa enfraquecida, apoiada numa bengala, e, embora demore uma hora de casa para o hospital, vai todos os dias dar um beijo envergonhado na boca do marido, ajudar no almoço, lanche e jantar, e nos intervalos ficam de mão dada. Ele só a reconhece por períodos e ela, enquanto o marido dorme, conta histórias dos dois quando eram jovens com um brilho no olhar e uma saudade dolorosa. Depois do jantar vai para casa sozinha com a sua bengala, de volta ao casulo de recordações.
    O amor está nas pequenas acções, pequenos gestos que compensam a luta do dia-a-dia, no mundo que parece ruir a nossa volta, porém a casa mantém-se de pé. É quando um pai ao ver a mãe derreada de um dia de trabalho, pede, em segredo, aos filhos para comprarem o gelado preferido da esposa. Os filhos ficaram com o crédito e o pai comtemplou a felicidade com que a mãe o saboreou. 
    Na minha modesta e empírica opinião o amor não torna o mundo perfeito, apenas o torna tolerável, vivível.

segunda-feira, 5 de março de 2012

O meu Portugal

  O meu Portugal pode ser um país cheio de contradições contudo é consistente no que acredita. Um povo que ainda se sente injustiçado por ter descoberto mundo e meio e ocupar uma ínfima parcela do mesmo. Com a ilusão de um espírito esmagado pela sombra de uma Espanha. Além destas pequenas megalomanias é acolhedor, ainda acredita na família, com valores sociais muito presentes, mas um civismo muito imaturo. Capaz de mover mundo e fundos pelos seus, contudo se provier algum lucro, o bolso fica mais feliz.
  É um país com uma auto-estima baixa, contudo quando se empenha consegue superar espectativas elevadas, com focos de uma liderança criativa e conhecimento afinado que vão surgindo de tempos a tempos, porém esmagados por mesquinhez e tacanhez das esferas constituídas por uma dúzia de senhores senis com tanto poder.
  Não somos exímios seguidores de protocolos, contudo ganhamos pontos na improvisação. Somos um povo que consegue sorrir enquanto chora. Muito emotivo e sonhador, ainda acreditando num mundo melhor. Mas, espezinhado e violentado com os constantes abusos de poder e corrupção dos seus semelhantes. Sem vestígios de uma justiça digna e eficiente.
  Tanto potencial neste canto da Europa sendo explorado por países estrangeiros, enquanto nos comiseramos. As desculpas atropelam-se e, quando olhamos para o passado tropeçamos no presente e futuro. A saudade, palavra sem tradução, muito nossa, continua a justificar a mediocridade.
  Enquanto esperamos por D. Sebastião e a justiça aniquilada se eleve, Portugal é, apenas, uma paradisíaca paisagem para umas férias de verão, com grande pesar meu.
  Desculpem se ofendi alguém, esta é a opinião de uma portuguesa que chora pelo seu país.
(d Trintona)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

As palavras esperam o sono
e a música do sangue sobre as pedras corre
a primeira treva surge
o primeiro não a primeira quebra

A terra em teus braços é grande
o teu centro desenvolve-se como um ouvido
a noite cresce uma estrela vive
uma respiração na sombra o calor das árvores

Há um olhar que entra pelas paredes da terra
sem lâmpadas cresce esta luz de sombra
começo a entender o silêncio sem tempo
a torre extática que se alarga

A plenitude animal é o interior de uma boca
um grande orvalho puro como um olhar

Deslizo no teu dorso sou a mão do teu seio
sou o teu lábio e a coxa da tua coxa
sou nos teus dedos toda a redondez do meu corpo
sou a sombra que conhece a luz que a submerge

A luz que sobe entre
as gargantas agrestes
deste cair na treva
abre as vertentes onde
a água cai sem tempo
(Matéria de Amor, António Ramos Rosa)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Só para (tentar) ser diferente


A economia ilude um crescimento milimétrico, a carteira fica mais leve e os corações momentaniamente satisfeitos

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Aniversário !!

Bom dia, este tão intimista blog fez a semana passada 1 ano, um ano cheio de sobressaltos, tendo esta página sido uma agradável surpresa. Antes de a construir pertencia ao estereótipo machista relacionado com a afinidade entre as mulheres e a tecnologia, porém suprimia uma veia emocional que vociferava para ser revelada. Tendo a humildade, o pudor e a leitura de exímios escritores reprimido qualquer tentativa de a expor, o anonimato foi preponderante na emancipação da facção emotiva em questão.
Nunca pensei que este espaço durasse mais de um mês, nem aspirei visitas ou seguidores além do meu irmão (com a ajuda preciosa da persuasão); devo a vocês a fluência desta catarse amadora com que aprendi a viver.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ao ler Virginia Woolf “Os três guinéus”, uma grande escritora e filósofa, senti a necessidade emergente de transcrever tímidos vislumbres da sua sapiência, partilho um excerto de uma carta em resposta a uma reflexão de como prevenir a guerra:
(…)
Portanto, caro senhor, se deseja realmente que o ajudemos a evitar a guerra, a conclusão parece ser uma só; devemos ajudar a reconstruir a faculdade que, por imperfeita que possa ser, é a única alternativa à educação do lar. Devemos esperar que essa educação possa ser alterada a seu tempo. Esse guinéu deve ser dado, antes de lhe darmos o guinéu que pede para o seu próprio partido. No entanto, trata-se de um contributo para a mesma causa – a prevenção da guerra. Os guinéus são coisa rara; os guinéus são valiosos, mas enviemos um sem impor qualquer condição à tesouraria do fundo de reconstrução, porque ao fazê-lo estamos a contribuir positivamente para evitar a guerra.
                                                                                                                                              (Os três guinéus, Virginia Woolf)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012


Viajar não faz bem apenas aos homens,
também é bom para os próprios percursos
ter homens que os percorram.
Um caminho é como uma casa:
é necessário abrir a janela, de vez em quando,
para que o ar circule.
Precisa de ser arejado, o caminho, e os homens
que o percorrem são os que executam este ofício.
São os homens e as mercadorias
que conservam a estrada.


Até o ar livre precisa de mudar de quando
em quando de ar. A circulação é um bem
inestimável para qualquer forma da natureza.        .
Uma competição de ciclismo que percorra uma
montanha é uma dádiva para a montanha.
Os animais e tudo se move
movem-se também em nome das coisas imóveis.
Sem movimento em seu redor
a montanha cairia como um vulgar edifício antigo.

Deves sustentar a montanha com a tua alegria.
Mas um edifício terrestre de uma cidade
precisa de algo mais: os restauros públicos
devem completar os amores privados que se atiram
docemente a uma casa.
A nossa casa só não cai porque existe nela a alegria,
Mas cai e cairá, cairá sempre, se não existir a alegria.
                                        (Uma viagem à Índia, Gonçalo M. Tavares)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Grito

 Um homem grita na rua, grita com a força que à muito o havia abandonado, sendo tamanha a revolta e indignação contra si próprio. Uns dias antes tinha lesionado um dedo, foi um corte superficial, porém intencional. Estes pequenos subterfúgios acalmam-no, após a dor física sorri com a complacência de um cientista após uma experiência bem-sucedida.
  Jacob vive há dois anos numa pensão num quarto barato, com o chão alcatifado, umas nódoas aqui e ali, uma cama de solteiro com um colchão de suspensão um tanto avariada, uma mesa e uma cadeira. Quem o conheça detectaria sinais da sua presença no pequeno espaço, embora nada que o identificasse. A sua rotina diária é trabalhar até às 17 horas, recusar qualquer convite para uma socialização antes do jantar, beber umas cervejinhas num bar qualquer, comprar uma sopa no supermercado, noticiário das nove e cama. Há um ano ainda aceitava um convite esporádico para um evento colectivo, embora chegasse atrasado e fosse o primeiro a terminar a festa. Já passaram dois anos que ninguém vê o interior da sua casa e 10 anos que não partilha qualquer intimidade na sua ou noutra cama. Sente-se adormecido, um espectador desinteressado, não vê nem não olha para ninguém.
  A sua lassidão não espelha contudo, os conflitos internos diários, o quanto a sua inércia física e social o incomoda, a angústia de involuntariamente evitar o olhar de uma rapariga que engraçou no bar ou café, a anseia pulsante por um carinho, um toque, um sorriso. Alguém que acredite e simpatize com ele quando o próprio já não consegue. Os seus colegas e amigos não imaginam o quanto Jacob tem vergonha da sua existência.
(d Trintona)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Acaso Lixado

  A minha ausência tem sido indefinida e intemporal, tropecei numa contingência de dimensão galáctica e sem precedentes para uma alma simples como eu.
Se não estou enganada tudo começou no dia 1 de Nov. 2011, era um dia cinzento, húmido e gélido tanto no sentido metafórico como meteorológico. Soturna mas passiva, com alguma tendência para o narcisismo como tem sido usual nos últimos compassos, concentrei-me na orientação espacial. Não estando traçada para tal habilidade encontrei-me numa rua cujos prédios e árvores estavam inclinadas de forma centrípeta e uma força alienígena exercia coerção num sentido preciso. Em poucos segundos encontrava-me à beira da origem da energia galáctica – era um buraco negro de tamanho insignificante.
  Tem sido uma luta aleivosa dada a minha dimensão humana. Dois passos para a calamidade, dois passos para a vidinha conhecida até então. Dada a época natalícia os super-heróis estão exaustos e sobrecarregados. A minha existência está prestes a desintegrar-se. Sem falhas temporárias de energia, dimensão religiosa, moral ou cívica, com uma eficiência precisa; vivi as minhas épocas festivas digladiando ferozmente, sem a generosidade de vilão regenerado ou herói reformado. Desalento e desespero permanecem no meu caminho e se avistam adiante.
  Cá nos encontraremos em dias melhores.
(d Trintona)