sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014



Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer.
(Mia Couto, Pergunta-me)

terça-feira, 2 de julho de 2013

Optimus Primavera Sound

O verão começou e os festivais. A transição de Maio para Junho foi celebrada com o segundo ano do festival Optimus Primavera Sound no Porto. Como no ano anterior, apresentou um cartaz equilibrado e variado. Na primeira noite fomos seduzidos pela irreverência e ousadia de Nick Cave & The Bad Seeds, mais do que um músico autor foi um showman.


Na segunda noite o público ansiava por Blur, o grupo entrou no palco cheio de energia e sucessos na ponta da língua, acarinhou os fãs que responderam com generosidade. Foi empatia desde o primeiro minuto.


Outras bandas surpreenderam e diferenciaram-se pela presença em palco, originalidade, criatividade e qualidade do som, entre elas lideraram Grizzly Bear e Explosions In The Sky com um som limpo e claro. Local Natives e Nurse with wound foram uma descoberta agradável.





terça-feira, 16 de abril de 2013

reflexões de quem não tem sono e nada produtivo em vista... (9)


 
Quando olho pela janela vejo uma terra que não é a minha, as ruas que os meus pés estranham, pessoas distantes, o sol que não erradia a areia fina num final de tarde ao longo da marginal. Acompanho as vidas da qual já não pertenço através do facebook: reuniões, casamentos, nascimentos.
Reflito em inúmeros momentos o caminho percorrido, se valeu a pena. Tem dias. Em muitas dessas ocasiões, revisitando o passado e observando o presente, faria o mesmo. Noutras, a saudade é demasiado dolorosa. Hoje, não. Amanhã… não sei.

terça-feira, 26 de março de 2013


o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

                                     (Amor, José Luís Peixoto)

terça-feira, 19 de março de 2013

Carta


Quando leres esta carta já terás 17 anos. Muitos te perguntarão que queres ser, que curso escolher. Todos te dirão o seu parecer e poucos serão sábios. Provavelmente sentir-te-ás encurralado, que ainda tens muito para ver e viver.
Segue o teu instinto, viaja antes de te matriculares na faculdade, se for esse o teu projecto. Arranja um emprego de verão, conhece outras culturas, outros mundos. Quando souberes o que queres fazer na tua vida então investe. Constrói um caminho que te orgulhes. Nos dias que correm não há empregos eternos, nem profissões certas. Se gostares do que fazes darás o teu melhor e conseguirás o que queres.
A facilidade nem sempre anda de braço dado com o sucesso. Não te tornes cínico ou ríspido perante as dificuldades da vida, ela também te sorri.
Terei sempre orgulho em ti e estarei sempre ao teu lado. Por vezes discordarei das tuas decisões, a ansiedade também pode ser paralisante. Vacilo por já não poder suster as tuas quedas, anseio proteger-te do mundo disforme.
Dir-me-ás que já és crescido, que te eduquei para percorreres o teu percurso com sensatez e audácia. Embora concorde, continuarei a preocupar-me em silêncio. O amor é assim.
Navega, deixa a tua marca em tudo o que fazes, não ignores o teu instinto e abraça as convicções. Observa e aprende, não sejas o primeiro a julgar. Sê leal a ti mesmo. Ambiciona mas não arrumes os teus princípios. Estarei sempre contigo, mesmo quando estás longe.
Com muito amor,
Mãe.
(D Pseudoink)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra
(Com Fúria e Raiva, Sophia de Mello Breyner)

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

HAPPY NEW YEAR !!!!!!!!


Quando penso em ano novo, ambições e concretizações revisito a imagem do professor Keaton a sussurrar Carpe Diem aos seus discípulos. Dado a conjuntura económica e financeira europeia partilho convosco minha resolução para 2013, uma luz entre muitas num túnel que se prevê longo…

"Age saw two quiet children 
Go loving by at twilight, 
He knew not whether homeward, 
Or outward from the village, 
Or (chimes were ringing) churchward, 
He waited (they were strangers) 
Till they were out of hearing 
To bid them both be happy. 
"Be happy, happy, happy, 
And seize the day of pleasure."
The age-long theme is Age's. 
'Twas Age imposed on poems 
Their gather-roses burden 
To warn against the danger 
That overtaken lovers 
From being overflooded 
With happiness should have it. 
And yet not know they have it. 
But bid life seize the present? 
It lives less in the present 
Than in the future always, 
And less in both together 
Than in the past. The present 
Is too much for the senses, 
Too crowding, too confusing—
Too present to imagine."
(Carpe Diem, Robert Frost)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sala

 

Estava recostada com o livro aberto pousado nas mãos apreciando da janela a brisa suave, a dança das folhas, as árvores com vários tons de amarelos. Chamaste-me, pousei o livro no cadeirão e fomos passear na praia antes do almoço; o mar estava indomável, magnânimo, a cada passo os pés mergulhavam mais uma vez na areia. Comentei que o verão já estava no fim enquanto casava os botões e reforçava o conforto da lã, perguntei-te sobre o jantar e confirmaste as presenças. Nestes últimos dias espelhavas uma tranquilidade típica dos anciãos, imperturbável pela sua longevidade. Não sei onde vais buscar inabalável plenitude; por vezes irritas-me tanto. 
Pelas 18 começaram a chegar os nossos amigos, ajudaste-me com os preparativos. O céu estava raiado de vermelho enquanto se desenrolava a noite. O Outono teimava em apresentar-se, porém com o grelhador e as cervejas no jardim o ambiente aqueceu. Tu regozijavas o peixe que imponentemente ocupava toda a grelha e apreciavas os elogios, eu fui mostrando o futuro quarto do Ismael. Quando estávamos no terraço a jantar eis que a celebre pergunta é proferida “o nome do bebe”; grande comoção se levantou, e, enquanto inúmeras justificações te foram apresentadas para me demover dessa ideia, tu sorrias e os nossos olhares comunicaram. Como é que passados tantos invernos ainda te amo como no primeiro? Exibes a tua expressão complacente perante a minha inquietude e surpresa. No início da madrugada as estrelas ainda brilhavam com nitidez e o sol começava a raiar, caminhámos até a praia, sentamo-nos e enrolados em cobertores assistimos maravilhados ao espectáculo celestial.
Lá tem de ser, comentei de sussurro, um pequeno-almoço antes de dispersarem. Uma hora depois, finalmente sós (suspirámos). Subimos as escadas para o nosso quarto. No final do mês seremos três.
Estou recostada com um livro aberto pousado nas mãos.  (d Pseudoink)