quinta-feira, 26 de julho de 2012


Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

                              (Presídio, David Mourão-Ferreira)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O lado selvagem (jon krakauer)






Onde alguns vêem cobardia eu vejo coragem,
Onde uns vêem estupidez eu vejo desafio,
Uns vêem fugir eu vejo abraçar a vida,
Uns vêem egotismo eu vejo crescer, concretização,
Uns vêem idealismo eu vejo um futuro,
Uns vêm inadaptado eu vejo aperfeiçoamento, evolução;
É impossivel ser-se indeferente ao estoicismo e integridade na construção de uma identidade numa civilização preenchida por lugares comuns. Recusar os modelos de vida disponíveis... Sonho pisar esse chão. É o que distingue os homens dos outros… os outros sonham. (d Pseudoink)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove – reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Nós não queremos disparar.
(Renshi.eu, Felipa Leal)