sábado, 26 de fevereiro de 2011


Ultimamente não consigo deixar de reflectir o porquê da erva do vizinho ser sempre mais verde que a minha. Torna a vida tão complexa e cega-nos relação aos nossos feitos e realizações. Torna-nos ambiciosos. Perdemos a noção do quanto somos ricos (sendo  a riqueza mais abrangente do que o tamanho da nossa conta bancária). A vida torna-se uma neblina permanente.
Considerando a bem-aventurança uma medida complexa, não quantificável, qualitativa e portanto subjectiva. Porquê que a nossa erva não há-de ser verde, ponto? Porquê comparar? Não sei, mesmo após esta dissertação, a questão mantém-se...
(d Trintona)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Anciã Ditosa

Um dia, à uns anos atrás, quando andava no 10º ano, um amiga minha desabafou que tinha um medo terrível de envelhecer, envelhecer significava estar num lar, sozinha, doente, confusa, esquecida, sem visitas e à espera da morte. Não soube que dizer, via a velhice de uma forma absolutamente encantadora, de cabelos brancos e óculos no inicio do nariz, numa cadeira de baloiço, a ler histórias aos meus futuros netos, a ler livros horas sem fim, a viajar por Portugal, sem obrigações nem preocupações. Bem sei que poderão pensar, coitada anda a ver muitos filmes… Bem, há um ano atrás, num café com a mesma amiga, a mesma temática emergiu. A minha amiga teme a velhice e seus receios acentuaram-se. Quanto a mim, só mudou a quantidade de netos e vejo-me com escassas obrigações relacionadas com a realidade do mundo ocidental, ou seja, periodicamente ir buscar os netos à escola, fazer um jantarinho para mais do que duas pessoas, concluindo continua a ser um quadro encantador. Penso que os meus avós contribuem para este esplêndido simulacro, embora a forma positiva, quase utópica, como analiso a realidade e o dia a dia seja um factor determinante.
(d Trintona)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Come live with me and be my love,
And we will all the pleasures prove
That valleys, groves, hills, and fields,
Woods, or steepy mountain yields.

And we will sit upon the rocks, 
Seeing the shepherds feed their flocks, 
By shallow rivers to whose falls 
Melodious birds sing madrigals.

And I will make thee beds of roses
And a thousand fragrant posies, 
A cap of flowers, and a kirtle
Embroidered all with leaves of myrtle;

A gown made of the finest wool
Which from our pretty lambs we pull;
Fair lined slippers for the cold, 
With buckles of the purest gold;

A belt of straw and ivy buds,
With coral clasps and amber studs:
And if these pleasures may thee move,
Come live with me, and be my love.

The shepherds' swains shall dance and sing
For thy delight each May morning:
If these delights thy mind may move,
Then live with me and be my love.
(The Passionate Shepherd to His Love, Christopher Marlowe)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Palavras para quê


Amar! Mas dum amor que tenha vida…
Não sejam sempre tímidos arpejos,
Não sejam só delírios e desejos
Duma doida cabeça escandecida…

Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser – e não só beijos
Dados no ar – delírios e desejos –
Meu amor … dos amores que têm vida…

Sim, vivo e quente! E já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa de vaga fantasia…

Nem murchará do Sol à chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores … se têm vida?
                             (Amor vivo, Antero de Quental)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

"E partiu de novo, para poder dar de caras com «Clawdia», o que tinha um encanto incomparavelmente mais perigoso do que caminhar à frente ou atrás dela. Quando, pela primeira vez, pôs esta táctica em acção, ela mediu-o à distância com o olhar, de alto a baixo, sem qualquer pudor ou contemplação, desviando, contudo, a cara com indiferença quando se aproximaram, para prosseguir de seguida o seu caminho. Um encontro, portanto, sem nada de particularmente assinalável. Mas quando o mesmo se passou pela segunda vez, ela não desviou os olhos dele, e isso não apenas à distância: cravou nele o olhar o tempo inteiro, durante todo o encontro, observando-o com insistência e até alguma severidade, e continuou a olhar para trás mesmo depois de se terem cruzado, o que arrepiou o pobre Hans Castorp até à medula. Não podemos, no entanto, sentir pena dele, se foi ele mesmo quem tudo isto desejou e decidiu iniciar. (…). Nunca antes tivera o rosto da senhora Chauchat tão perto do seu, nunca antes o pudera examinar com tanta clareza e pormenor (…). Eram feições invulgares e marcantes, cheias de carácter (já que só o insólito nos parece sinónimo de personalidade), de um exotismo nórdico, enigmático, apelando à decifração, na medida em que as linhas e proporções não eram de fácil determinação.”             (Thomas Mann)

Mto bom, em concerto correspondem às expectativas. Recomendo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O amor não é um sentimento dúbio

Estava a relatar a um amigo o percalço de um casal que após 4 anos de relação afastaram-se por um ou dois meses. Findo estes meses ambos decidiram que se amavam demasiado e alguns ajustamentos seriam necessários para uma relação duradoura e madura. Nisto o meu amigo afirmou com invulgar convicção que o amor não requer esforço. Observei-o incrédula e aguardei uns minutos em silêncio no sentido de que se apercebesse do que tinha acabado de dizer. Nenhuma tentativa de explicação ou corrigir o que foi dito. Como um homem de 37 anos ainda acredita nos contos da Disney, nos contos infanto-juvenis.
Fico estarrecida quando à mínima adversidade, estas e outras crenças são convenientes e justificações plausíveis para os adultos da minha e posteriores gerações se divorciarem com a facilidade e rapidez com que se compra um café na esquina. Claro que há excepções e não são poucas. Mas a carapuça serve, infelizmente, a mais indivíduos do que gostaria. O amor não é suposto ser um vento suave numa tarde quente, um maravilhoso pôr-do-sol no cimo de um monte ou na praia, uma alternativa à solidão. O amor é altruísta, êxtase, felicidade; contudo é sofrimento, angústia e desespero. É uma amálgama de sentimentos contraditórios. É selvagem, lágrimas e suor. O amor torna o ser humano feroz contudo sereno e tolerante.
O amor é vivido, não é lido nem contado. E, mesmo após o término da relação, esse sentimento é transformado, não se evapora ou simplesmente desaparece. No entanto, após viver-se o amor, o arrependimento não é uma opção. Os momentos de felicidade bem como angústia contribuem para o que somos hoje.
(d trintona)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Obrigada amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

                                (Amigo, Alexandre O´Neill)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
(Lágrima de preta, António Gedeão)         

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Não percebo

Não percebo o fascínio pela auto-mutilação, não percebo a auto-flagelação em nome da religião. Esta não é uma situação de uma ou outra religião, parece ser comum a diversas religiões que proclamam a viva voz as diferenças entre as mesmas. Começando pela cristã, quando em Fátima é possível visualizar pessoas de todas as idades a caminhar de joelhos no chão até a dor interior passar a ser visível e portanto passível de comiseração e tratamento. Desculpem se estou a ser injusta ou preconceituosa, não consigo ser indiferente a este fenómeno. Nada diz na bíblia que a flagelação física nos aproxima do céu ou perdão. Em oposição ajudar o próximo, altruísmo e despretensiosismo são actos valorizados pelo catolicismo e por conseguinte dignos do “céu”. Em vez de as promessas consistirem em 10 voltas ao recinto de Fátima, porque não prometerem durante 10 dias fazer voluntariado oferecendo sopa aos sem abrigos ou a simples oferta de cobertores à vizinha que não tem rendimentos nem para comer. Devido à crise actual a nossa sociedade não carece de pessoas a precisar de diversos tipos de ajuda e não é preciso estar financeiramente numa boa posição para o fazer, basta riqueza de espírito, imaginação e olhar atentamente. Não é preciso ser audacioso ou megalómano, existem diversas organizações (ONG) onde só precisam da presença de mãos prontas para trabalhar. E podia alongar-me sobre esta temática páginas e páginas, por isso to be continued…  Não quero aborrecer de tédio os poucos leitores que despendem um pouco do seu tempo para ler as crónicas de uma narcisista.
(d Trintona)

Para começar a semana com o pé direito



Desde que me cansei de procurar,
Aprendi a encontrar.
Desde que o vento me sopra na face,
Velejo com todos os ventos.

                                (Nietzsche)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Do not go gentle into that good night

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

                                                           (by Dylan Thomas)
Diversas vezes, quando calmamente passeamos na rua ou estamos nalgum estabelecimento esperando por um serviço ou usufruindo desse serviço, podendo esse estabelecimento ser uma loja, aeroporto, autocarro, notário, etc.; surge um ser que decide verbalizar ou demonstrar o seu descontentamento pelo serviço prestado de forma pouco distinta. Quando me deparo como observadora destas situações penso sempre que nunca recorreria a tais formas de expressão para transmitir o meu descontentamento.
O parágrafo acima demonstra a minha posição em relação a tais chamadas de atenção. Nunca sonhei, nem me passou pela ideia ser tão néscia e encarnar esse papel tão desprezível a meus olhos.
Tudo começou no último dia das minhas férias, de regresso a casa vinha satisfeita, muito cansada e um pouco irritável (algo pouco compatível com a minha maneira de ser). Geralmente escolho levar a bagagem comigo no avião por ser mais prático e rápido. Eis o meu espanto, quando me dirigi para o controlo de segurança e o próprio me indica, com educação, para colocar a mala num daqueles controladores de tamanho metálicos da easyjet. Ora, a bagagem não cabia por um frustrante centímetro e o segurança apontou de forma brusca para o check in no sentido de a mala ser guardada no porão, além do custo extra. Esta é a parte que me envergonho profundamente, quando verbalizei de uma forma pouco sensata que iria caber custe o que custar e fiz figura de imbecil ao recorrer a meios físicos para demonstrar o quando insensata posso ser. Estas figuras tristes devem ter sido executadas pelo menos durante 5 min., enquanto isso o segurança aguardava calmamente que eu terminasse e o número de pessoas trás de mim aumentava, bem como os olhares ameaçadores. Lá foi a mala para o porão e o custo foi merecido pela minha total de ausência de conduta. Só de lembrar até me dói a alma. Triste foi, também, só ter realizado uma auto-critica quando me sentei na cadeira da mesa situada no meu quarto.
(d trintona)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Se

Quando uma relação de amor termina o se surge com frequência, mesmo quando o fim já era evidente. O que correu mal, onde errei, se ele fosse… se eu fosse… Contudo mudar estas variáveis é mudar a essência de cada um dos participantes e assim condicionar o amor. Seria uma questão  contraditória visto o amor ser imprevisível, espontâneo, selvagem, estão presentes os nossos instintos mais básicos. Da mesma forma que sofrimento, a dor, a angústia são sentimentos intrínsecos e portanto componentes da equação amor.
 Num universo paralelo, tendo os defeitos e situações que contribuíram para a ruptura sido anulados não existem garantias que esse mesmo casal existisse, que essas mesmas duas pessoas se sentissem atraídas uma pela outra e não por outra qualquer. Porque o se não é real. Ele ou ela entram nesta montanha russa como um todo, com tudo o que têm, sem condicionantes, cálculos ou racionalizações. É isso que torna cada relação de amor única como a impressão digital. Mudando os componentes, o resultado será forçosamente diferente.
(d Trintona)
Não é uma coisa só.
São muitas coisas nuas.

Não é o desabar de uma casa.
É percorrer os seus escombros.

Não é aguardar por um filho.
É voltar a sê-lo.

Não é penetrar em ti.
É sair de mim.

Não é pedir-te que faças.
É fazer-te.

Não é dormir lado a lado.
É estar jacente de mãos dadas.

Não é ouvir vento e chuva.
É franquear-lhes a cama.

E relâmpago que pela terra se funde.
                         (Luz Fraterna, António Osório)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Esperança

(Praça Tahir, Cairo)

A esperança é uma arma poderosa. Então quando é colectiva torna-se uma faísca impossível de quebrar ou destruir. Vemos pelos acontecimentos do Médio Oriente, um exemplo perfeito do poder deste sentimento presente no ser humano. Esta palavra é representada pela força de espírito. É mais poderosa que qualquer carro blindado, aviões militares ou qualquer outra arma mortífera. Contudo a sua ausência pode ser uma arma ignóbil. É da minha opinião que, na Europa o desespero, o desalento e descrença é um monstro que está ser alimentado e a atingir proporções preocupantes. A ausência de esperança fomenta o xenofobismo, a discórdia, a intolerância. As grandes e duradouras guerras, assim como ditaduras, tiveram como pano de fundo este sentimento aterrador.
É interessante como apesar de o mundo ser cada vez mais pequeno, numa parte vemos o acalentar da esperança e força espiritual individual e colectiva, noutra área, no  mesmo espaço temporal verificamos o oposto acontecer.
(d Tintona)

Os trinta

Esta doce e amarga idade é ridicularizada ou dramatizada pelos media. Determinadas celebridades descrevem este evento como um posto ou um marco, quase como o inicio de uma vida idílica, cheia de sabedoria e sensatez. Pois não senti nenhum dos extremos.
Os trinta e trinta e um  anos, foi como uma pequena empresa que passados uns anos encerra temporariamente para inventário, para reflectir como se tem adaptado ao mercado e comparar os lucros e prejuízos para concluir: se é forte e estável o suficiente para expandir o seu mercado, permanecer na posição actual até sedimentar sua posição no mercado ou fechar e minimizar estragos.
Aqui vai o meu testemunho, o difícil deste evento é perceber nesta altura do campeonato a imagem que se tem de si própria a nível social, cultural e pessoal. É o confronto entre o que esperávamos ter atingido, bem como o papel que imaginávamos/desejávamos desempenhar na sociedade e a crua realidade. Esta foi a reflexão que senti forçada a fazer e digo que não tem sido  bonito nem promissor, contudo também não é desolador. É uma etapa necessária e dolorosa para uma pacífica coexistência comigo própria e assim poder continuar a minha caminhada.
Com um tropeço inicio as crónicas de uma trintona.
(d Trintona)