sexta-feira, 27 de abril de 2012

Filosofia Catatónica

Esta será a nova nominação deste espaço. Com a crise económica persistente não serei tia ou madrinha tão cedo (apesar dos meus esforços) e não tenho nada de útil para fazer. Para celebrar este evento aqui vai um video de uma música de Carlos Paredes revisitada pelo Norberto Belo "mudar de vida".


domingo, 22 de abril de 2012


Poderá andar-se metido num amor a contragosto?
Claro que sim.
Um amor a contragosto é um amor em relação ao qual o sujeito que o sofre palpita que está numa perspectiva catastrófica e que, em princípio, nada poderá fazer para evitar a catástrofe, que esta o espera no fim de tudo e se prepara para o mastigar sem contemplações, reduzindo-o a cisco.
“Reconquista-me!”, diz o objecto desse amor a contragosto, entremostrando-se e furtando-se logo de seguida. E o sofrente do amor a contragosto compraz-se (afinal com imenso gosto!) em esfalfar-se e em arruinar-se nessa descida aos inferninhos do amor infeliz.
                                                               (Uma coisa em forma de assim, Alexandre O´Neill)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Vida,

Que esperas de mim? Já não te dei o suficiente? Sou um homem melhor por ti, amei-te mais que a mim próprio… À, o problema está aí, vejo pela tua expressão. Pensei que chegava! Mas queres mais, sempre foste caprichosa e voluntariosa! Tenho de gostar mais de mim, não é? Sempre a mesma justificação para a tua rigidez e incompreensão, nunca me apoiaste. Suportei os constantes obstáculos que me impuseste sem descanso ou uma palavra de apreço. Luto por ti e a para ti, e que fazes? Encolhes os ombros. Renego e desprezo a tua condescendência. Odeio-te por me tornares no que sou, um ser medíocre, digno de comiseração. Não consigo olhar-me com um resquício de orgulho, vergaste-me e humilhaste-me. Reduzido a pó e cinzas. Conseguiste! Despedi-me de ninguém, nem de mim mesmo. Merda para ti.
À beira do precipício, gesticulava enquanto as lágrimas corriam pela face. Olhou para o leito rochoso do rio seco.
Hoje recebi uma carta da morgue.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?

(Musa Irregular, Fernando Assis Pacheco)